domingo, 24 de dezembro de 2017
Depressão na adolescência.
Nos últimos anos tem crescido de maneira significativa o interesse no conhecimento, nas consequências e na abordagem da Depressão na Infância e Adolescência. Durante muito tempo acreditou-se que essa era uma condição que não atingisse essa faixa etária, principalmente as crianças menores. Isso se deve a uma forte influência da teoria psicanalítica que para o desenvolvimento da depressão era necessário que superego estivesse desenvolvido. Em 1946, Spitz & Wolf descrevem o quadro denominado com “Depressão Anaclítica” em crianças muito jovens, sendo essa condição marcada por baixo nível de energia e de interesse e humor deprimido, refletindo a não atenção às necessidades básicas da criança. Já na década de 1970, houve por parte de alguns pesquisadores o reconhecimento da depressão como uma condição presente em crianças que apresentassem problemas comportamentais, sendo necessário investigá-la em situações de comportamentos disruptivos. Os investigadores começaram a notar as semelhanças e diferenças entre a depressão na infância/adolescência e nos quadros de início na vida adulta. Eles puderam perceber a presença de sintomas de tristeza, anedonia (perda de interesse) baixa auto-estima, e outros sinais e sintomas exclusivamente vegetativos ocorrendo em crianças, tais como queixas somáticas, retraimento social, agressão e abandono escolar.
É consenso nos dias atuais que mesmo em crianças na faixa pré-escolar é possível fazer o diagnóstico de depressão, utilizando-se dos mesmos critérios diagnósticos desenvolvidos para o diagnóstico em adultos. Dentre os quadros existentes temos a depressão maior (ou transtorno depressivo) e a distimia (ou transtorno distimico). Crianças com depressão podem relatar estar se sentindo tristes, infelizes, entediadas ou desinteressadas por suas atividades usuais, com raiva ou se irritando facilmente. Também podem apresentar choro fácil.
AVALIAÇÃO CLÍNICA E DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de transtorno depressivo exige pelo menos um episódio em que a criança tenha tido cinco ou mais dos seguintes sintomas, incluindo um dos dois primeiros, por um período mínimo de duas semanas:
(1) humor deprimido ou irritável;
(2) acentuada diminuição do interesse ou prazer em
atividades;
(3) perda ou ganho de peso ou apetite;
(4) insônia
ou hipersonia;
(5) agitação ou retardo psicomotor;
(6) fadiga ou perda de energia,
(7) sentimentos de desvalia ou culpa excessiva;
(8), diminuição da capacidade de pensar, concentrar ou tomar decisões;
(9) pensamentos recorrentes de
morte ou idéias e/ou tentativa de suicídio.
A avaliação pode se concentrar na gravidade dos sintomas e na incapacidade funcional dessas crianças e adolescentes. No levantamento dos sintomas para efeitos da determinação do diagnóstico, é importante tentar verificar cuidadosamente a cronologia e o curso dos mesmos ao longo do tempo (por exemplo, para o diagnóstico diferencial de outras patologias psiquiátricas, distinção entre depressão maior e transtorno distímico e, para ajudar a determinar os antecedentes desses sintomas ou situações de agravamento). Infelizmente, porém, as crianças muitas vezes não são jornalistas de confiança da informação temporal, o que dificulta conseguir com detalhes a história inicial e a evolução do quadro depressivo.
Com o intuito de melhorar a coleta de dados, tornando-a mais homogênea e auxiliar no diagnóstico clínico foram desenvolvidos diversos instrumentos de avaliação diagnóstica. Esses instrumentos de diagnóstico podem auxiliar ao clinico no diagnóstico, mas também podem ser utilizadas em pesquisa. As escalas de avaliação clínica, como o CDI (Children Depression Inventarion), o CDRS (Children Depression Rating Scale), DICA (Diagnostic Interview for Children and Adolescent) e o K-SADS-PL (Kidds Schizophenia and Affective Disorder Scale – Present and Past Life) são as escalas mais conhecidas e utilizadas. Entretanto o uso das escalas não substitui a entrevista clínica face-a-face, com avaliação direta da criança e do adolescente. Além disso é fundamental que essa avaliação seja realizada por profissional capacitado, treinado e com experiência no atendimento de crianças e adolescentes. Na prática clínica a melhor combinação é a associação entre o relato da criança e adolescente, associado a dados fornecidos por pais e cuidadores, associado à entrevista semi-estruturada.
Estudos recentes têm sido realizados com o intuito de correlacionar o nível de desenvolvimento cognitivo, emocional, psicossocial e biológico das crianças e adolescentes e sua vulnerabilidade para o desencadeamento de um episódio de Depressão Maior.
A depressão apresenta algumas peculiaridades no quadro clínico, curso, resposta ao tratamento e prognóstico dependendo de seu início na infância, na adolescência, na vida adulta e na velhice. Entretanto os critérios diagnósticos do DSM-IV (manual da Academia Americana de Psiquiatria para o diagnóstico das psicopatologias) e CID-10 (Organização Mundial de Saúde) utilizados para o diagnóstico clínico das doenças psiquiátricas são os mesmos para todas as faixas etárias, não considerando diferenças próprias de cada fase da vida. Isso pode dificultar que o diagnóstico seja feito mais facilmente porque muitas vezes na infância e adolescência não se é possível observar claramente queixas e sintomas próprios de um quadro depressivo. Às vezes também os sintomas depressivos, principalmente em crianças menores, não fecha o critério necessário de tempo. Em outras circunstâncias é comum a presença de sintomas atípicos em crianças e adolescentes, o que muitas vezes dificulta significativamente o diagnóstico clínico.
Alguns estudos tentam mostrar características que são peculiares quando a depressão ocorre na infância diferenciando-as das de inicio na adolescência. Alguns têm mostrado, por exemplo, que os adolescentes apresentam
mais sintomas depressivos do que as crianças. Sorense e Thomsen investigaram uma amostra clínica de 42 crianças e adolescentes e encontraram significativamente mais anedonia, hipersonia (sono exagerado) e também maior dificuldade de concentração, dificultando o desempenho escolar em adolescentes. Em contraste eles observaram que as crianças apresentavam mais frequentemente sentimentos de inutilidade.
Bennett e colaboradores, investigando uma amostra ambulatorial com 383 indivíduos na faixa etária entre 11 e 20 anos, observaram significativamente
mais humor deprimido, problemas de sono, fadiga, culpa, problemas de concentração, sensação de desamparo, frustração e insatisfação com a auto-imagem corporal entre os adolescentes deprimidos. Em contraste, adolescentes deprimidos do sexo masculino também apresentavam mais anedonia e as meninas mais humor deprimido na manhã.
DEPRESSÃO NAS DIFERENTES FAIXAS ETÁRIAS
Tendo em vista algumas diferenças e particularidades na depressão em crianças e adolescentes quando comparados com adultos e também quando comparados entre si, é fundamental uma melhor descrição de possíveis características em cada faixa etária.
Depressão em lactentes
Antes da aquisição de linguagem verbal, uma criança manifesta depressão pela expressão facial e postura corporal, sendo comum mudança de comportamento como inquietação, mais retraimento e chorar mais do que habitual. Pode recusar alimentos, ter problemas para dormir, ficar mais apática e passa a não responder os estímulos visuais, verbais e tácteis (ex: abraços). (Luby e col., 2003). Enquanto algumas crianças têm repentinamente explosões de raiva descontroladas, outras ficam evidentemente tristes chorando à toa e outras irritadiças constantemente.
A perda de interesse nas atividades de lazer e desânimo fica evidente (Luby e col., 2006). Perda de habilidades previamente adquiridas, como regressão da linguagem, ecolalia e enurese são comuns em crianças que recém adquiriram linguagem. Dos 2 aos 5 anos, é freqüente manifestação de dependência excessiva, ansiedade de separação, controle precário de impulsos e instabilidade emocional (Fu-I, 1996).
Até aquisição plena da linguagem, a criança pode não estar em condição de relatar sobre seus próprios sentimentos e experiências emocionais. A partir dos 3 – 4 anos as crianças devem ser sempre entrevistadas face-a-face para que se possam obter juntos com as informações fornecidas pelos pais, um histórico clínico completo e uma definição de diagnóstico confiável.
Depressão em crianças pré-escolares
Crianças pequenas ou pré-escolares quando deprimidas podem apresentar frequentemente falhas em adquirir peso esperado para idade, fisionomia triste ou de seriedade, irritação, diminuição de apetite, agitação psicomotora ou hiperatividade, insônia acompanhado de ansiedade, balanceios, estereotipias ou outros movimentos repetitivos e agressividade contra outros e a si mesma (Fu-I e col., 2000). Essas crianças já manifestam claramente anedonia com perda de iniciativa para as brincadeiras, perdem interesse por atividades e jogos que antes apreciavam e queixam-se sempre de estarem entediadas por não saberem do que brincar (Luby e col., 2006).
As queixas não específicas e vagas de dor de cabeça, dor muscular ou dor abdominal são freqüentes e constituem uma das características de manifestações de angústia e sofrimento emocional de crianças nessa faixa etária, além de cansaço excessivo ou falta de energia (Luby e col, 2003).
Depressão em crianças na idade escolar
Crianças na idade escolar quando deprimidas além de aparentar tristeza, podem mostrar-se ou irritadiças ou instáveis. Algumas também podem ficar apáticas, isto é, as crianças apresentam pouca reação tanto para estímulos positivos quanto para negativos. É mais evidente anedonia, com desinteresses e abstenções de atividades extracurriculares, inclusive isolamento social e familiar voluntária.
Os sintomas clássicos de depressão como lentificação de movimentos, falar com voz monótona e falar de desesperança e sofrimento é mais comum nessa idade, mas, agitação psicomotora e hiperatividade com controle precário de impulsos pode ser freqüente. O sintoma de inquietação assemelhar-se a inquietação de ansiedade fazendo pensar que, essas crianças podem ter quadros compatíveis com critérios para mais de um transtorno psiquiátrico.
Kovacs e colegas (2003) consideram especialmente importante a investigação de anedonia e de mudanças de humor desproporcional ao estimulo (disforia) para diagnostico da depressão nessa faixa etária, considerando esses sintomas fundamentais para diagnostico de depressão nessa faixa etária. A perturbação de crianças ou adolescentes diante de qualquer estímulo e hiper-reatividade desagradável, hostil e eventualmente agressiva nem sempre é valorizado como sinônimo de sofrimento. Mas, em crianças e adolescentes, as súbitas mudanças de comportamentos não justificadas por fatores de estresse são de extrema importância e, deveriam ser sempre investigada considerando possibilidade de depressão ou transtorno bipolar (Fu-I e col., 2000).
A irritabilidade é um sintoma pouco específico na psiquiatria da infância, podendo ser encontrada em crianças normais, mas é um sintoma realmente comum entre crianças e adolescentes deprimidos, mas infelizmente esse sintoma de irritação pode ser mais motivador de repreensão por parte dos familiares, educadores ou profissionais de saúde e não e não instiga a investigação clínica.
Crianças deprimidas frequentemente têm manifestação de baixa auto-estima e, é expressa por essas crianças falando sobre si em termos negativos: “sou ruim mesmo”; “sou tonto”; “ninguém se preocupa comigo”. O sentimento de culpa exagerada pode aparecer como pensamentos de que tudo está errado por sua existência e, devem ser punidas ou de que seria melhor morrer e, pode acompanhar os pensamentos de que seria melhor se estivesse morto (Mesquita & Gillian, 1993).
A perda de apetite é um sintoma frequente, mas algumas crianças podem ter aumento do apetite e tornarem-se obesas. As queixas de pesadelos ou de despertares noturnos são frequentes, assim como insônias acompanhadas de ansiedade ou rituais noturnos. O aumento de distraibilidade e a dificuldade de memorização são comuns e levam a uma piora do desempenho escolar e pode dificultar a distinção de depressão com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). (Yorb e col, 2004; González-Tejeras et al., 2005).
Depressão em adolescentes
Os adolescentes deprimidos já conseguem relatar claramente sentimentos depressivos, incluindo desesperança, dificuldade de concentração e, podem mostrar ainda mais irritabilidade e hostilidade. A falta de esperança e a sensação de que as coisas jamais mudarão podem levá-los a apresentar tentativas de suicídio. Sintomas como insônia ou hipersonia, alteração de apetite e de peso, perda de energia e desinteresse em atividades de lazer disponíveis aparecem de formas variadas. Isolamento social voluntário, sensibilidade exagerada à rejeição ou fracasso e pouca expectativa em relação ao futuro também são frequentes. O uso e abuso de bebida alcoólica e outras substâncias de ação no sistema nervoso central podem ser freqüentes em adolescentes deprimidos e muitas vezes são resultantes de tentativas de “auto-tratamento” / ”auto-medicação” para alivio de sofrimento depressivo (González-Tejeras e col, 2005).
Diferenças de perfil sintomatológico entre faixas etárias e gêneros
Geralmente a depressão manifesta em iguais proporções em crianças e adolescentes e, também entre meninos e meninas (Sorense e col, 2005). Estudos recentes, porém mostram que a ocorrência de alguns sintomas pode ser dependente do nível de desenvolvimento cognitivo e outra relacionada ao gênero. Por exemplo, no estudo de Yorbik e colegas (2004), os adolescentes deprimidos mostraram significantemente mais desesperança, sensação de desamparo, falta de energia, fadiga, hipersonia, perda de peso, e comportamento suicida quando comparado às crianças. Observou-se, também, que as adolescentes de sexo feminino pensaram mais e tentaram mais suicídio em comparação com os adolescentes do sexo masculino.
Sorense e colegas (2005) também obtiveram as observações de que anedonia, hipersonia, capacidade reduzida de concentrar-se e sintomas melancólicos foram mais freqüentes nos adolescentes do que nas crianças deprimidas. Estranhamente, as crianças, apresentaram mais freqüentemente, as sensações de desvalia e baixa auto-estima. Estes pesquisadores concluíram que depressão é frequente em pacientes psiquiátricos de 8-13 anos e, que a idade e não gênero tem efeitos significantes na ocorrência e a prevalência de sintomas depressivos específicos (Sorense e col, 2005).
Em muitos estudos, as meninas apresentam mais sintomas do que os meninos, que há uma chance de que elas pudessem procurar mais os serviços de saúde mental e, portanto, os meninos podem estar mais negligenciados por manifestarem outros tipos de sintomas menos incômodos aos familiares. Enquanto que os adolescentes de sexo masculino motivaram apenas repreensões comportamentais.
Além de preocupação com os adolescentes de forma geral, tem-se preocupação crescente com grupos específicos. Observou-se que há menos adolescentes de gênero masculino nas clinicas ou, há possibilidade de que eles solicitem menos auxilio profissional. Estudos realizados nos Estados Unidos da América (EUA) mostraram entre adolescentes de todos os grupos étnicos, os negros e asiáticos são os que menos solicitam auxilio e, especialmente preocupante em relação à situação de adolescentes masculinos negros e asiáticos. Diante desses achados, foram criadas organizações de grupos psico-educacionais específicas para jovens com esses perfis.
COMORBIDADE E SOBREPOSIÇÃO DE SINTOMAS
Uma característica das doenças psiquiátricas de início precoce é a presença freqüente de sobreposição de sintomas de múltiplos transtornos ou co-morbidades.
Aproximadamente 50% dos casos de transtornos afetivos têm como co-morbidade algum tipo de transtorno ansioso (Fu-I e col, 2000). As condições coexistentes de maior prevalência com depressão de início precoce são transtornos de ansiedade, transtorno de conduta e TDAH.
Em 1987, Puig-antich (Puig-Antich, 1987) já atestava que “pesquisar a forma pura de transtornos afetivos de início precoce pode ser perda de tempo, pois os sintomas co-existentes, considerados como co-morbidade podem ser uma característica intrínseca de doenças afetivas ocorridas na infância”.
Segundo a literatura, a maioria das crianças deprimidas apresenta sintomas de ansiedade sugerindo que, crianças, filhos de pais com transtornos afetivos, podem ter predisposição a transtornos de ansiedade de separação, o que por sua vez pode ser um sintoma preditivo de transtornos afetivos (Fu-I, 1996).
A complexidade e a proximidade de depressão com transtornos de ansiedade é preocupante pois mostra a dificuldade que muitas vezes pode haver para distinguir um transtorno do outro. A associação desses dois transtornos é tão íntima que sintomas de ansiedade na infância podem ser um sinal preditivo mais eficiente para diagnostico de depressão do que de transtornos de ansiedade (Mesquita & Gillian, 1994).
A presença de sintomas comportamentais e de ansiedade pode prevalecer sobre sintomas afetivos, principalmente em meninos. Acredita-se que em torno de 16 – 62% de crianças e adolescentes com transtornos depressivos apresentem também transtornos de ansiedade (Laurent e col, 1993). Strauss e colaboradores (1998) também já haviam observado que sintomas de ansiedade precoce elevam o risco de filhos de pais deprimidos de apresentarem quadros depressivos subseqüentemente.
Em geral, a relação de nível de ansiedade é diretamente proporcional à severidade do quadro depressivo nas crianças. Muitas vezes, ao realizar pesquisas com instrumentos diagnósticos diferentes, podem-se obter resultados compatíveis tanto com transtornos de ansiedade, como com de depressão. Sintomas típicos de depressão como choro e pensamentos de inadequação, incompetência e auto-agressão têm sido atribuídas ao medo e à ansiedade das crianças (Laurent e col, 1993).
Em 1993, Laurent e colaboradores indicaram quatro sintomas de depressão cuja presença pode servir de critério determinante para verificar se uma criança ansiosa também está deprimida. Caso a criança ansiosa demonstre anedonia, disforia, sentimento de não ser amado e/ou nível excessivo de culpa, ela poderá estar também deprimida. De forma semelhante, se uma criança deprimida demonstrar alto nível de preocupação, especialmente com relação aos acontecimentos futuros e/ou à competência acadêmica, ela pode estar também com um distúrbio de ansiedade (Laurent et al., 1993).
No que tange o Transtorno Obsessivo-Compulsivo, chama atenção a grande dificuldade de distinção do raciocínio obsessivo com pensamentos reverberantes de cunho depressivo comuns em casos de DP.
Nos estudos de Yorbik e colaboradores (2004), os adolescentes tiveram significativamente mais abuso de substância e menos comorbidade com transtorno de ansiedade de separação e TDAH em comparação com as crianças.
TRATAMENTO
O tratamento dos transtornos depressivos na infância e adolescência exige uma abordagem ampla e multidisciplinar. É fundamental que a avaliação clínica e o diagnóstico tenham sido realizados com primor e cuidado, avaliando-se desde os principais sintomas alvos, a intensidade e gravidade, tempo de evolução, presença de comorbidades psiquiátricas e médicas, estrutura familiar, tratamentos previamente realizados.
A saúde física e emocional da criança e do adolescente, nível de funcionamento global, acesso a educação e meios de tratamento são fundamentais para se estabelecer um projeto terapêutico individualizado para cada criança e adolescente.
O tratamento é multidisciplinar envolvendo diferentes profissionais. Será utilizado todos os recursos disponíveis e necessários para que a criança e o adolescente possa se recuperar totalmente e num prazo de tempo mais curto possível.
O tratamento envolve o uso de psicofármacos (antidepressivos, estabilizadores do humor, antipsicóticos, psicoestimulantes) com o intuito de remissão dos sintomas depressivos, ansiosos, psicóticos ou de hiperatividade e desatenção. O tratamento clínico das comorbidades psiquiátricas deve ser contemplado simultaneamente.
O tratamento psicológica, envolvendo a resolução de conflitos, fortalecimento dos recursos emocionais, reabilitação cognitiva e tratamento das dificuldades familiares, é de suma importância. Existem diferentes abordagens a serem utilizadas como a terapia cognitivo-comportamental (TCC), terapia de base analítica e a psicanálise, terapia Comportamental, terapia transpessoal, terapia familiar, etc são algumas modalidades a serem escolhidas.
O tratamento e a reabilitação de distúrbios de linguagem e de aprendizagem, bastante comuns em quadros depressivos precisam ser tratados através da fonoterapia e da abordagem psicopedagógica. Um trabalho junto a escola também é necessário para que os prejuízos e conflitos escolares possam ser detectados e tratados de maneira objetiva e rápida.
Todas essas múltiplas abordagens devem ser disponibilizadas a fim de se consiga um melhor resultado no tratamento, com remissão completa da depressão, evitando recaídas e cronificação futura de um transtorno que cresce a cada ano, produzindo sofrimento e perdas (emocionais, financeiras e de qualidade de vida) a essas crianças e adolescentes e a suas famílias.
Fonte: Dr. Miguel Angelo Boarati.
Ansiedade.
Diante de eventos importantes, como uma entrevista de emprego ou uma prova difícil, é comum ficarmos ansiosos. Ficamos preocupados com algo que ainda não aconteceu e esses pensamentos são constantemente alimentados pela imaginação. Em resposta a isso, o corpo passa a se preparar para enfrentar um desafio: hormônios são liberados na corrente sanguínea, os músculos se tensionam, o coração bate mais rápido e a boca fica seca.
“Uma das características do sucesso da espécie humana é a capacidade de antecipar o perigo, o que requer uma preparação geradora de ansiedade”, explica Márcio Bernik, médico psiquiatra e coordenador do Ambulatório de Ansiedade do IPQ (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP). Ou seja, a ansiedade é um estado emocional “normal” que precede a conclusão de algum evento.
Medo, insegurança e angústia são emoções que todo mundo sente em algum momento ou situação. Entretanto, indivíduos com transtornos de ansiedade (um dos mais incidentes na atualidade, ao lado da depressão) apresentam uma complexidade maior de sintomas. O modo como reagimos a esse agente estressante diferencia uma “ansiedade normal” de uma patologia. “ É utilizado o termo ‘transtorno’ porque ele se refere a algo que desorganiza a vida do indivíduo e gera um sofrimento excessivo. A pessoa passa a ter prejuízos em diversas esferas. Não consegue sair, manter um emprego, entre outras”, explica o psiquiatra Felipe Corchs, do Programa de Ansiedade do IPQ.
Os distúrbios de ansiedade são provocados por desordens do sistema nervoso simpático que liberam na circulação quantidades muito altas de hormônios envolvidos na reação de estresse. Quando não tratados, o risco de o indivíduo desenvolver transtorno do pânico é alto. “Uma crise de pânico é algo que pode acontecer de repente. É um medo muito intenso que leva a pessoa a pensar que vai morrer”, complementa Corchs.
A ansiedade está aumentando?
Em 1947, o escritor anglo-americano W. H. Auden escreveu sobre as incertezas de sua época no poema “A era da ansiedade”, que lhe rendeu um prêmio Pulitzer. O título hoje é visto em profusão em revistas e jornais, e embora possa até ter se tornado um clichê, talvez tenhamos, de fato, chegado a esse momento. Um dos estudos mais recentes na área, que reuniu dados epidemiológicos de 24 países, demonstra que quase 30% dos habitantes da região metropolitana de São Paulo apresentam transtornos mentais. O trabalho faz parte da Pesquisa Mundial sobre Saúde Mental, iniciativa da OMS (Organização Mundial da Saúde) que analisa o abuso de substâncias e distúrbios mentais e comportamentais. Os transtornos de ansiedade foram os mais comuns, afetando 19,9% dos entrevistados.
Em fevereiro deste ano, a OMS divulgou um relatório mostrando que o número de pessoas com transtornos de ansiedade no mundo era de 264 milhões em 2015, com um aumento de quase 15% em relação a 2005. Pesam nesse cenário, dizem especialistas, fatores socioeconômicos, como pobreza e desemprego, e ambientais, como o estilo de vida em grandes cidades, além do excesso de tarefas que acumulamos ao longo dos anos.
Nunca tivemos tanto acesso a informações sobre transtornos de saúde mental, estatísticas e diversos tipos de tratamento disponíveis, desde medicamentos até terapias comportamentais e meditação. “Mas é difícil saber se estamos mais ansiosos agora, pois não havia tantos indicadores e pesquisas desse tipo no passado. Talvez em outras épocas tivéssemos outros problemas de saúde mental. Estamos diagnosticando mais atualmente e as pessoas também estão procurando mais ajuda”, comenta Corchs.
O que fazer?
O tratamento dos transtornos de ansiedade inclui o uso de medicamentos antidepressivos ou ansiolíticos, sob orientação médica. O tratamento farmacológico geralmente precisa ser mantido por seis a 12 meses depois do desaparecimento dos sintomas e deve ser descontinuado em doses decrescentes. Entretanto, outras opções de tratamento estão surgindo.
Dr. Daniel Barros, professor colaborador do Departamento de Psiquiatria da FMUSP (Faculdade de Medicina da USP) e autor do livro “Pílulas de bem-estar”, revela que seus pacientes estranham quando ele sugere a meditação como tratamento coadjuvante para reduzir a ansiedade. “Mas, doutor, como vou conseguir ficar quieto?”, é uma dúvida que ele costuma ouvir nesses casos.
Parece um pouco distante da nossa realidade considerar a meditação como alternativa para transtornos de ansiedade e ataques de pânico, mas algumas práticas, como o mindfulness (atenção plena, um tipo de meditação), já são utilizadas nos EUA e na Europa desde o final da década de 1970. A Inglaterra inclusive já incorporou a técnica em seu prestigiado sistema público de saúde, o NICE.
Por aqui, a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) mantém, desde 2011, um programa de treinamento e estudos sobre o tema. O programa se chama “Mente Aberta” e atende pacientes do SUS encaminhados via Secretaria de Saúde. Por ali já passaram cerca de 400 pessoas. “Normalmente, são pacientes que não conseguiram resolver o problema pelo viés farmacológico e encaram o mindfulness como uma cartada final”, explica Marcelo Demarzo, coordenador do programa.
O plano terapêutico tem oito semanas de duração e os participantes se reúnem semanalmente por um período de duas horas e meia. Para controlar a ansiedade, a pessoa precisa se concentrar no aqui e agora. São utilizadas técnicas para aprender a ter mais consciência da própria respiração e do próprio corpo. “Quarenta e sete porcento do nosso tempo é utilizado para pensar em outras coisas, por isso é importante esse treinamento da atenção. Antes a gente parava e descansava; hoje, paramos e mexemos no celular”, reforça Demarzo.
Fonte: Drauzio Varella.
Execícios para malhar o cérebro.
Certamente você já ouviu falar que palavras cruzadas, sudoku, caça-palavras, xadrez, jogos de cartas fazem bem à memória. Não, isso não é conversa de avó. Segundo a neurologista Célia Roesler, membro da Academia Brasileira de Neurologia, tais atividades realmente são uma verdadeira ginástica para o cérebro. Fazer exercícios de raciocínio pelo menos uma vez ao dia ajuda na renovação das conexões neuronais. É como se o cérebro fosse um músculo e a “malhação” estimulasse o órgão a criar novas ligações entre os neurônios, aumentando o número de estradas pelas quais as informações podem trafegar dentro do cérebro.
“De maneira simplificada, a cada palavra aprendida e descoberta, uma nova “gaveta” de informações é criada no cérebro do indivíduo. E quanto mais esse hábito de passatempos é estimulado, novas células nervosas serão requisitadas e mais sinapses serão feitas. A leitura diária de qualquer coisa, seja uma revista, jornal, um livro, também é um excelente exercício”, destaca a especialista.
O neurologista Ivan Okamoto, do Instituto da Memória da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), complementa dizendo que tais hábitos também ajudam a aumentar a reserva cognitiva. Na prática, isso quer dizer que ele vai chegar, por exemplo, aos 80 anos, e terá um bom “estoque de informações”, o qual irá permitir que o cérebro faça associações sempre que necessário. “Às vezes, a pessoa quer dizer uma palavra, mas não se lembra dela exatamente. Mas se ele tem essa reserva, ele consegue achar um sinônimo rapidamente. Daí a importância dos estímulos.”
Mas que fique bem claro que não são somente esses jogos de passatempo que darão conta de deixá-lo com um cérebro “malhado”. Quando esses jogos viram rotina, o cérebro recorre a conexões nervosas já existentes, em vez de fazer novas. Portanto, outras atividades também devem ser levadas em consideração, como: fazer um curso de qualquer coisa que dê prazer, aprender a tocar um instrumento, dançar. “É importante fazer coisas que estimulem o cérebro para que novas áreas sejam acionadas e treinadas”, sintetiza Okamoto.
Uma dica que o neurologista dá a todos os seus pacientes que se queixam de esquecimentos é o de aprender um novo idioma. Dessa forma, o indivíduo exercitará várias formas de linguagem e de memória. Além disso, o processo de aprendizagem envolve necessidade de concentração e apelo constante à memória.
Dra. Célia Roesler ressalta ainda a importância dos exercícios físicos, principalmente os aeróbicos, como corrida, caminhada, bicicleta, para a manutenção da memória. Embora não exercitem o cérebro diretamente, a prática diária ajuda a melhorar o sistema cardiovascular (podem prevenir microinfartos em pequenos vasos no cérebro, o que prejudicaria a oxigenação na região). Além disso, exercícios físicos liberam substâncias que impedem a degeneração neuronal.
Ter uma alimentação saudável também faz parte do jogo. Opte por incluir em sua dieta principalmente uvas e tomate (10 uvas e um tomate diário). Tais alimentos possuem, respectivamente, resveratrol (poderoso antioxidante que melhora a revascularização cerebral) e licopeno (antioxidante que é um estimulante cerebral).
Veja aqui alguns exercícios para afinar sua memória:
1) Faça caminhos diferentes e alternativos quando for ao trabalho;
2) Experimente memorizar aquilo que precisa comprar no supermercado, em vez de elaborar uma lista. Utilize técnicas de memorização ou separe mentalmente os produtos de que precisa;
3) Vista-se de olhos fechados. Quando for pegar uma roupa no armário, com os olhos fechados, estimule a parte tátil e procure a peça que você deseja;
4) Leia muito e diariamente. Não só isso: converse com alguém sobre o que leu.
Fonte: Drauzio Varella.
Insônia Crônica.
Tanta gente toma remédio para dormir, que o sono espontâneo virou extravagância.
Na vida urbana, vivemos tão atormentados por compromissos e preocupações, que até me surpreende nossa capacidade de fechar os olhos e pegar no sono, à noite.
Estudos multinacionais mostram que a prevalência de insônia crônica entre os adultos varia de 3,9% a 22%, a depender da definição adotada. Quando usamos a classificação ICSD-3, a prevalência oscila entre 9% e 12%.
A ICSD-3 define como insônia crônica a condição que se instala quando surge um ou mais dos seguintes problemas, pelo menos três vezes por semana, por pelo menos três meses:
1) dificuldade para iniciar o sono; 2) dificuldade para mantê-lo; 3) acordar mais cedo do que o desejado; 4) resistência para deitar num horário razoável; 5) dificuldade para dormir sem um parente ou um cuidador.
Quando a duração desses transtornos é menor do que três meses, a insônia é classificada como de curta duração.
A primeira recomendação para os insones – crônicos ou não – é adotar o conjunto de medidas conhecido como higiene do sono. Entre outras:
1) não tomar café, bebidas alcoólicas, refrigerantes, ou energéticos, pelo menos seis horas antes de deitar; 2) não assistir à TV na cama; 3) não deitar com o estômago repleto; 4) em vez de rolar na cama, ler com a luz indireta de um abajur; 5) abandonar a vida sedentária.
Insônia não é mera inconveniência; é um distúrbio associado ao aumento do risco de morte, doença cardiovascular, depressão, obesidade, dislipidemia, hipertensão, fadiga e ansiedade. Nos quadros crônicos, está associada a acidentes automobilísticos, domésticos e no trabalho.
O principal tratamento não farmacológico é a terapia cognitivo-comportamental, que envolve: higiene do sono, técnicas de relaxamento e controle dos estímulos que mantêm a vigília.
Dezenas de estudos mostram que ela é superior ao uso de medicamentos, tanto na eficácia como na duração dos efeitos benéficos. Na literatura médica, a melhora está documentada mesmo na presença de dores crônicas, artrites, enxaqueca, depressão, estresse pós-traumático, câncer, doenças pulmonares obstrutivo-crônicas e esclerose múltipla.
Os entraves são os custos, a falta de profissionais treinados e o acesso pelo sistema público ou por meio dos planos de saúde. Para contorná-los, surgiram as terapias em grupo e as plataformas online que trazem os ensinamentos básicos, passo a passo, em programas de seis a oito semanas.
O mais eficiente dos componentes da terapia cognitivo-comportamental é a restrição de sono, estratégia através da qual o tempo de permanecer na cama é reduzido. A privação aumenta a pressão para dormir na noite seguinte.
Há muito, a atividade física é recomendada como parte da higiene do sono. Até 2014, as recomendações eram as de que os exercícios deveriam ser evitados no período que antecede a hora de deitar, porque alterariam o ritmo circadiano do organismo, aumentariam a temperatura corpórea e estimulariam a vigília.
Nesse ano, foi publicado um estudo com mais de mil participantes de 23 a 60 anos. Não houve diferença na avaliação das características do sono entre aqueles que faziam, ou não, exercícios de intensidade moderada ou vigorosa à noite, menos de quatro horas antes de deitar.
Com base nessa e em outras observações, os especialistas consideram não haver razão para contraindicar a prática de exercícios à noite.
Em estudos randomizados, yoga, tai chi, meditação e técnicas de relaxamento demonstraram melhorar a qualidade subjetiva e a duração do sono. No entanto, a falta de uniformidade na escolha dos participantes, nas intervenções e nos critérios de avaliação, confundem a interpretação dos resultados e a indicação dessas técnicas como tratamento exclusivo.
E os remédios?
Devem ser prescritos apenas nos casos refratários, em que os demais recursos foram esgotados. Os efeitos colaterais não são alarmantes como imaginávamos no passado, mas estão longe de ser desprezíveis. O impacto do uso prolongado na cognição e na incidência de quadros demenciais não está claro.
O ideal é que o uso seja intermitente, reavaliado a cada três ou seis meses, no máximo.
Fonte: Dr Drauzio Varella.
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